[ Na Rede - parte 2 ]

(textos)

por Cristine Melo

(continuação)
Em SATMUNDI: 1)ARTEMUNDO;2)BODY;3)PATHOS (www.satmundi.com), Ricardo Barreto propõe que compartilhemos um mundo. Satélite mundo? Trata-se de um site experimental integrado por outros proponentes, em que extrai dele três trabalhos pessoais. Em ARTEMUNDO expressa um manifesto sobre o devir da arte na contemporaneidade e a maneira como problemas da ecologia, da genética, dos direitos humanos, dos meios de comunicação de massa e das minorias se introduzem nesse campo. Avatares mediam conexões entre a realidade ali compartilhada e links com outros sites (mais de 600) são acionados, no envio das nossas próprias reivindicações políticas para organizações não-governamentais. Em BODY, oferece reflexões e novas experiências sobre a questão do corpo no mundo virtual, e em PATHOS, gera uma paisagem onírica, realista mas quase abstrata, como em Turner, a partir de uma ferramenta de criação 3D, no próprio VRML. Uma espécie de desvio criativo do uso dessa ferramenta, ou subversão do uso convencional dessa escrita.

Cronofagia (www.paleotv.com.br/cronofagia), de Kiko Goifman e Jurandir Müller, aborda a violência, o tempo e a sobrevivência das imagens na Internet. Como bergsonistas do ciberespaço, impregnados de forte consciência conceitual, empreendem uma narrativa-limite calcada em matéria/imaterial e memória. Uma imagem ocupa a página central do trabalho; ao ser clicada, essa imagem dispara o que se denomina relógio web. Pasmem: clica-se algo e nada acontece, nenhuma ação imediata. A partir de um determinado número de cliques, gradualmente são disparadas ações de destruição e desmaterialização da imagem. Durante o período da Bienal, serão sistematicamente substituídas imagens mortas por imagens novas. Voracidade e homicídio coletivo na rede.

Em sentido inverso, O Sol de sempre (paralelosclandestinos.net) de Enrica Bernardelli traz questões sobre o espaço e a transcendência. O sol como meio de interligar a humanidade tanto quanto a Internet. Espaços sem limites. O espaço puro. É impossível acompanhar o movimento (da rede) dos astros mas é possível nos localizarmos pelos (URLs) paralelos. Em resposta ao não-objeto, Bernardelli media seu trabalho por uma celostato, máquina ótica de captar a imagem do sol (um objeto celeste). A imagem do sol on-line e ao vivo, sob o ponto de vista do planetário da cidade do Rio de Janeiro, a partir do paralelo 22 e do meridiano
43. Enquanto uma câmara capta essa imagem, um computador a recolhe e a envia para um servidor de rede, que permite, no acesso do usuário, o reencaminhamento de sua sombra - ou o seu paralelo clandestino -, que passa a intervir e a inserir-se no sistema. Durante o período da Bienal, Bernardelli fará habitualmente o percurso de sua casa ao planetário, recolhendo objetos que encontrar pelo caminho, para que possa gerar sombras com eles. Desmistifica o sol como símbolo de poder e o coloca acessível, comum, para todos.

Lucas Bambozzi direciona, em Meta4walls (www.comum.com/diphusa/meta) conflitos derivados do uso público e privado na Internet. Disponibiliza lixos da rede - mensagens invasivas, que recebe de forma não-autorizada - por ele colecionados desde 1999. Denota as distorções, os excessos e desvios da rede. Ao mesmo tempo, o mondo cane, que preferimos não ver. A tela inicial é artifício de voyeur: como o olho que espreita por trás da porta, vemos, enquadrada, uma pintura de Coubert, para logo em seguida sermos remetidos
a outro tipo de imagem, extraída provavelmente de um site de pornografia, mas sob o mesmo ângulo da anterior. A partir daí dissolvem-se as fronteiras entre mundo real e fictício na construção de uma narrativa que nos encaminha a links e mais links pela rede. A obra se instaura sobre o processo de metalinguagem. Como retorno, mensagens de controle: nada é impune no confronto das mídias com a vida real.

Lúcia Leão, em seus Plural Maps: Lost in São Paulo (www.lucialeao.pro.br/pluralmaps), incorpora labirintos construídos em VRML e links que levam os usuários a interagirem com web cams espalhadas em pontos específicos da cena urbana. A metrópole vista como um rizoma, em que cada cruzamento é um ponto (de partida ou chegada), e todos esses pontos se conectam com o todo. Mapas plurais, subjetivos, um vidro da cidade, ou um outro modo de perder-se no grande labirinto que é a rede.

Gilbertto Prado, outro pioneiro da arte telemática no Brasil, nos oferece em Desertesejo www.itaucultural.org.br/desertesejo), um mundo construído em VRML, a ser navegado em ambiente de realidade virtual interativo, multiusuário, que permite a presença simultânea de até 50 participantes. Uma narrativa com características imersivas: o visitante entra nesse mundo como um avatar - termo denominado, na filosofia hindu, como corpo físico - e é transportado como uma onça, uma cobra ou uma águia. Percorre paisagens desérticas, na tentativa de estabelecer contato humano mediado por outro avatar. Em um desses ambientes, Viridis, uma webcam, é conectada à Internet para captar imagens do céu em tempo real. Cada visitante imprime, assim, o seu próprio céu. O resultado é um céu coletivo, gerado on-line. Econtros virtuais, repletos de silêncio mítico, suspensão no tempo/espaço e associações oníricas.

Ouroborus (artecno.ucs.br/ouroboros), apresentado por Diana Domingues e o Grupo Artecno, permite-nos compartilhar experiências num viveiro de cobras. Insere o simbolismo da serpente mítica, que come a própria cauda, ligado ao ciclo da vida e à morte. A idéia de início e fim como um interminável continuum, tanto quanto os mundos sintéticos. Conexões do corpo em ambientes virtuais geram aqui deslocamentos em mundos artificiais. O corpo interfaceado por mouse, teclado, joystick, headphone e microfones, ao ser mediado por um robô com uma webcam acoplada em sua cabeça, produz contato com as cobras. Telepresença na rede e ação remota no mundo natural. Desígnios recentes, rumo à arte transgênica e biotecnológica. Um conjunto desenvolvido na emergência da arte da informação, pensado como instrumento de imaginação conceitual e de conceituação imaginativa11. Uma arte que faz alarde pela liberdade e que busca desviar dos aparelhos, intenções meramente calcadas nos interesses econômicos12. Uma arte movida pelo desejo, pela experiência, pelas incertezas, que promove grandes viagens nas redes imaginárias da contemporaneidade.

Christine Mello foi Curadora-adjunta do segmento RepresentaçãoBrasileira - Sala Especial Net Arte - 25 Bienal de São Paulo.

1 Arlindo MACHADO, O Quarto iconoclasmo e outros ensaios hereges. Rio de Janeiro:Rios Ambiciosos, 2001.

2 In: "... O princípio do movimento se impôs ao do lugar", http://www.uol.com.br/artecidade/2002frame_ie.htm (09/02/02).

3 Lucia LEÃO, A Estética do Labirinto, Tese de doutorado, São Paulo, Programa de Comunicação e Semiótica, PUC/SP, 2001.

4 Robin BARGAR e Insook CHOI, Ground truth, Timothy DRUCKREY (org.), in: Ars Electronica: facing the future, Massachusetts: The MIT Press, 1999.

5 Extraído de uma citação sobre J. M. Floch, in Nancy BETTS, A Intertextualidade na obra de Nelson Leirner, Dissertação de Mestrado, São Paulo, Programa de Comunicação e Semiótica - PUC/SP, 2002.

6 Algumas das associações aqui sugeridas entre rede e cidade foram feitas em conjunto a Daniel Sêda, em 12/02/02.

7 In: Fábio DUARTE, Arquitetura e tecnologias de informação: da revolução industrial à revolução digital, São Paulo:FAPESP / Editora da UNICAMP, 1999.

8 Vilém Flusser (1920-1991), filósofo nascido em Praga, foi um dos mais radicais pensadores dos meios tecnológicos. Viveu no Brasil por um longo período, em que ministra aulas e escreve textos críticos. Entre seus alunos, o artista multimeios Otávio Donasci, em entrevista concedida em 02/02/02, relata conceitos de Flusser sobre a vida nas cidades, que foram apresentados nos EUA nos 1980, antes mesmo do surgimento da Internet.

9 Gilbertto PRADO, Cronologia de experiências artísticas nas redes de telecomunicações, in: Revista Trilhas n. 6,v. 1, Campinas: Unicamp, 1997.

10 www.artmuseum.net/w2vr/timeline/Futurist.html (09/02/02).

11 Conferência de Vilém Flusser durante a XVI Bienal de São Paulo, sobre Imagem-Imagem Técnica.

12 Associação a partir de idéia extraída do artigo "Os novos rumos da holografia", de Arlindo Machado, para o Jornal Folha de São Paulo de 23 de outubro de 1984.

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