[ Chang Chi Chai ]

(São Paulo)

A artista sino-brasileira Chang Chi Chai apresenta seis trabalhos. A palavra "paz" escrita com pólvora em diversas línguas chama-se Vox Ignis e o registro filmado do rastilho queimando, Vox Ignis 2. O mapa do mundo desenhado com ouro e com fronteiras de pólvora chama-se Diáspora e o registo, Diáspora 2. Around é um filme feito no Tibete, que mostra monges caminhando. Refúgio é uma asa de anjo desenhada com pólvora, que será queimada na abertura da exposição.

CONFLITOS
por José Bento Ferreira

A arte de Chang Chi Chai fala de um tempo em que está posta a necessidade de conviver com diferenças e em que o convívio dificilmente deixa de ocorrer como conflito. Da palavra "paz" escrita com pólvora em diversas línguas e das fronteiras de um mapa do mundo, também desenhadas com pólvora, restam apenas os rastros fumegantes. Cada trabalho tem dois aspectos: a meticulosa realização pictórica, por um lado, e os registros filmados dos rastilhos incandescentes, pelo outro.

À parte tudo o que estes trabalhos têm a dizer sobre a realidade explosiva do tempo presente e da própria História, note-se os dois momentos destas ações: o momento pictórico e o momento do filme. Nos quadros, a diversidade das línguas e das nações, desenhada por um rastro de violência. Em nome da paz se faz a guerra.

Há quem diga que a linguagem distingue o ser humano dos outros animais e que por meio da linguagem os homens se entendem. Nos trabalhos que a artista chamou de Vox Ignis, a linguagem é uma fonte de dissenso.

Em todas as línguas se diz "paz" como quem brande um armamento e ninguém se entende. O título em latim - "voz do fogo" - refere-se à língua-mãe das outras línguas, à língua do Império. Mesmo o mapa do mundo, que também se diz "mapa-mundi", refere-se à pretensão imperial de dominar tudo o que é conhecido.

O título Diáspora alude à perseguição milenar sofrida pelo "povo escolhido" e levanta
a questão crucial: para onde fugir depois que tudo foi consumido pela guerra? Diante desses quadros de pólvora chamuscada parece não haver saída.

Mas diante dos filmes, há uma réstia de esperança. Impossível deixar de notar como o mundo parece pequeno diante das dimensões de quem brande, não um armamento, mas a vareta de incenso. Com serenidade, acende-se um por um os rastilhos de pólvora. Ouve-se o suave sussurro de povos carbonizados.

Quase se sente o perfume do incenso misturado com o odor rude das queimaduras. Depois que tudo foi queimado, sente-se certo alívio. É lícito dizer que, por um momento, a "voz do fogo" não designa apenas as atrocidades que teceram a História, mas anuncia a brevidade de tudo o que é humano. Dos impérios imponentes, ainda que abracem todo o mundo conhecido, fatalmente não restarão senão ruínas. Tudo passa, dissipa-se no ar. A altiva eloqüência das línguas e a riqueza das nações desenhadas com ouro cedem ao silêncio dos budistas no filme Around, realizado pela artista no Tibete. Sabe-se que a impermanência é um dos pensamentos fundamentais do budismo tibetano.

Em meio à pólvora chinesa e ao ouro que motiva todos os conflitos, monges caminham
solitários por vielas e escadarias, alheios à realidade ruidosa ao redor deles. O olhar descreve um movimento vertiginoso em busca dessas figuras fugidias, a custo as acompanha e sempre as perde. Por vezes, parece ele mesmo perdido no labirinto de escadarias e vielas, abandonado a si mesmo.

Seria esta a esperança de se furtar ao círculo incessante de apego e aversão, de opressão e guerra: resignar-se ao vácuo, a que em última instância todas as coisas tendem. Por fim, Refúgio é o desenho da asa de um anjo, também feito com pólvora chamuscada. Se isto significa que há algo de auspicioso nisso tudo ou que a "voz do fogo" consumiu até mesmo o último "refúgio", é questão que fica sem resposta, suspensa no ar.

II Mostra do Programa de Exposições 2005 do CCSP
Abertura: 21 de setembro
Período: 22 de setembro a 23 de outubro

Rua Vergueiro, 1000 - Paraíso - São Paulo - SP
www.centrocultural.sp.gov.br
Atendimento ao Público: 3277-3611 - ramal 221

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