(São Paulo)
02/06/2010
por MARIO GIOIA
colaboração para o UOL
http://entretenimento.uol.com.br/ultnot/2010/06/02/tom-experimental-atrai-artistas-para-galerias-alternativas.jhtm
Depois de carregar sacos de areia, instalar um sistema de iluminação e som e criar uma imagem “sensorial” para sua instalação, o artista Felippe Segall não ficou satisfeito com o resultado, exibido em um mezanino desocupado por anos, na edícula da casa que serve para a exposição “Aluga-Se”, em cartaz apenas até o próximo dia 12 em São Paulo.
Segall, 36 anos, nome emergente na cena de artes visuais de São Paulo – ele participará da próxima “Paralela”, mostra organizada pelas principais galerias paulistanas durante a Bienal de São Paulo, por exemplo -- e já representado por uma galeria importante da cidade, a Casa Triângulo, conseguiu interferir no trabalho até achar que ele ficou satisfatório. “Isso foi muito importante. É raríssimo que consigamos ter uma experiência dessas, mexer na obra no decorrer de uma mostra”, afirma ele, que encheu ainda mais de areia o espaço, além de dispor lâmpadas e equipamentos de som de forma mais equilibrada.
A opinião de Segall serve como síntese de exposições que têm acontecido em São Paulo, com enfoques experimentais e coletivos. Tais mostras servem para artistas sem galeria exibirem suas peças e para nomes mais estabelecidos conseguirem abordar aspectos arriscados de sua obra, sem preocupação comercial com os resultados.
A coletiva “Aluga-Se” ocorre em uma residência de dimensões confortáveis no Alto de Pinheiros, em São Paulo. Reúne 33 artistas de diferentes gerações que se uniram para ocupar um espaço que está longe de ser um cubo branco. Muitos dos trabalhos são site specific, ou seja, são produzidos especialmente para o espaço, mas também há obras feitas anteriormente pelos artistas. A artista Yara Dewachter foi quem conseguiu a cessão da residência e tem suas pinturas exibidas no andar térreo da construção.
No entanto, lugares menos ortodoxos serviram para os artistas fazerem seus trabalhos. Um dos muros que separa a residência de outra propriedade recebeu pintura de Laura Gorski. “Foi um desafio, o muro é bem grande”, diz ela. Em uma das fachadas da construção, de frente para a obra de Gorski, Roberto Fabra fez um grafite com um de seus personagens usuais, um coelho algo computadorizado, em verde. Marlene Stamm aplicou microintervenções em vários cômodos, simulando elementos banais, como um interruptor. Bárbara Rodrigues instalou um vídeo que mostra uma “cascata” (produzida por água de chuva) no que um dia pode ter sido uma despensa.
Mas talvez a ocupação mais impactante dentro de “Aluga-Se” foi a feita por Daniel Caballero, que “invadiu” com terra, sementes – que já brotaram desde a abertura da mostra -- e tinta o que era um dos banheiros da casa. No mesmo andar, Rosana Naday instalou dentro de um antigo quarto um imenso barco, que impossibilita a circulação completa no espaço, fazendo com que o público, pela janela, veja outros trabalhos sob uma nova perspectiva.
Na edícula, Giba Gomes ativou seu próprio ateliê em uma das salas e utiliza uma prensa no local. Seguindo pelo espaço, uma das mais amplas áreas traz as pinturas de Newman Schutze, as intervenções de Lina Wurzmann, uma sala de vídeo com trabalhos de Cinthia Marcelle e Roberto Bellini, o mezanino de Segall, uma intervenção de Wagner Morales e uma pintura em grande escala de Bettina Vaz Guimarães, que a fez sobre pedaços de papel que podem cair do arranjo que criou na parede, em razão da umidade do local.
Obras ocupam casas e passagens
Bettina também participou de outra coletiva em espaços alternativos de São Paulo, o “1º Salão dos Artistas sem Galeria”, sendo uma das artistas premiadas -- os outros contemplados foram Amanda Mei e Bartolomeu Gelpi. Realizada na Casa da Xiclet e na Matilha Cultural, a exposição está atualmente em cartaz na Patricia Costa Galeria de Arte, em Copacabana, Rio, seguindo até o próximo dia 18.
“Foi importante para mim. Resolvi participar porque, desde que a galeria Oeste fechou, estava sem representação. Já no ‘Aluga-Se’, era importante a experimentação, o fato de a pintura que fiz não ser um processo fechado [pois algumas partes dela já descolaram]”, conta a artista paulistana, que já expôs em outros Estados e no exterior (Portugal e Bolívia).
“Em Obras” foi outra coletiva alternativa, reunindo 30 artistas que fizeram desenhos de duração temporária em um ponto movimentado de São Paulo, a passagem Consolação. O caráter da ocupação era preencher e, depois, apagar as obras criadas em uma das paredes do espaço.
“Os artistas se reuniram por convites informais, um chamava o outro. Não houve seleção. O interessante é que nenhum dos 30 artistas conhecia todos os outros, nem os seus trabalhos", diz Juliana Kase, uma das artistas envolvidas.
Os artistas participantes também eram diversos, desde aqueles representados por galerias -- Alice Shintani, Laerte Ramos e Marcia de Moraes, entre outros -- a jovens nomes, como Flávio Cerqueira, Henrique de França e Jerôme Florent.
Marcia de Moraes, hoje na galeria Leme, defende o risco e a experimentação em iniciativas do tipo. “Aceitei participar porque ocorreu em um lugar não usual, num projeto experimental que unia 30 artistas diferentes. Além disso, fazia com que eu fugisse do papel e se arriscasse numa parede, uma coisa nova para mim [a maior parte de sua produção é de desenhos sobre papel]”, avalia ela. “Não havia curador, galerista, instituição ou produtor por trás. Foram apenas artistas que se organizaram para realizar um projeto único. Isso é muito importante politicamente, pois coloca mais força nas mãos dos artistas.”
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"ALUGA-SE"
Quando: de terça a domingo, das 12h às 20h; até 12/6
Onde: av. São Gualter, 1941, São Paulo
Quanto: entrada franca
"1º SALÃO DOS ARTISTAS SEM GALERIA"
Quando: de segunda a sexta, das 10h às 20h, e sábado, das 12h às 19h; até 18/6
Onde: Patricia Costa Galeria de Arte (av. Atlântica, 4240, loja 226, shopping Cassino Atlântico, Rio, tel. 0/xx/21/2227-6929)
Quanto: entrada franca
É bom nunca esquecer que este tipo de evento não é uma "grande novidade". Em 2001 Márcia X. e Ricardo Ventura realizaram as coletivas Orlândia e Nova Orlândia, reunindo artistas num imóvel vazio e em obras. Curadores e críticos de arte também participaram da mostra e estas exposições foram consideradas por muitos as mais importantes do ano. O evento teve uma seqüência em 2003 com a coletiva Grande Orlândia - Artistas Abaixo da Linha Vermelha, a terceira e última da série.
ResponderExcluirNem tudo precisa ser “uma grande novidade”. O importante é que talvez seja o momento político que o/a artista encontre novas alternativas para maior controle sobre sua obra e menos manipulação do mercado das artes. Por exemplo, é inacreditável que o/a artista não receba sempre um honorário para exposições. No início dos anos 80 em Nova York, muitos artistas, principalmente, mulheres artistas, criamos galerias cooperativas, curamos exposições alternativas em espaços vazios com o intuito de controlar a própria obra assim como abrir novos espaços aos artistas menos estabelecidos. Conseguimos na ocasião que todos os Arts Councils incluíssem sempre nas bolsas um bom honorário ao artista. Isto tudo foi perdido com o boom do final dos anos 80 e nunca mais recuperado. Desde então, curadores e profissionais ligados a museus e galerias comerciais têm dominado a produção do/a artista. Será este o momento de um novo despertar do/a artista? Onde os/as artistas comecem a se organizar e juntos, reivindicar seus direitos? Um momento onde artistas, curadores e profissionais de museus e galerias possam trabalhar em conjunto de maneira mais igualitária?
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