[ Coletiva de Abril ]

(Rio de Janeiro)



Designada a partir do período de sua realização, Coletiva de Abril, como o seu próprio nome sugere, é uma exposição sem um tema previamente definido. Integrada coincidentemente apenas por mulheres, esta coletiva tampouco foi concebida em torno de questões femininas, ainda que algumas artistas participantes as trabalhem efetivamente.

Analu Nabuco, Claudia Melli, Denise Araripe, Ira Etz, Isabela lira, Laura Burnier, Lucia Weber, Márcia Clayton, Maria Helena Lira e Roselane Pessoa não pertencem sequer a um mesmo grupo ou coletivo. Elas têm diferentes trajetórias, seus trabalhos possuem características poéticas bastante diversas e não foram selecionados para esta Coletiva por escolhas curatoriais. É, portanto uma exposição que resultou da própria iniciativa dos participantes que se organizaram para torná-la realidade.

É claro que não são pessoas sem quaisquer afinidades, reunidas ao acaso. Conhecem-se tanto pelo fato de muitas delas terem sido alunas de Maria do Carmo Secco, justamente homenageada na presente mostra, cuja obra floresceu a partir da Nova Figuração da década de 60; quanto pelo acompanhamento de seus trabalhos por Ricardo Becker.

Cabe-nos perguntar sobre as razões que as levaram a se reunir num mesmo evento, no Pátio das Artes, durante o mês Abril. A resposta parece estar num fenômeno atual: a busca por parte de um número cada vez maior de artistas pelo controle da difusão de seus trabalhos, tanto no Rio de Janeiro, quanto em São Paulo e em diversos outros centros produtores de arte do Brasil e do exterior.

Seja pela dinâmica típica de galerias, instituições e curadores, sempre voltados para questões que abrangem um reduzido conjunto de artistas, seja pelo teor restritivo de um mercado cuja evidente expansão não vem acompanhando a crescente demanda de espaços por artistas situados à sua margem, o fenômeno existe e vem se tornando, dia a dia, mais evidente. Ele se expressa não só pelo surgimento de coletivos que buscam, por meio de intervenções em espaços públicos e privados, ampliar a ressonância de seus projetos; pela abertura de galerias criadas por artistas, como também por meio de empreendimentos pontuais similares aos da presente mostra.

Nem é preciso afastar-se da programação do Largo das Artes para encontrarmos outros exemplos dessa nova atitude. Em Outubro de 2008 uma mostra coletiva (Entre-Imagens) foi realizada por iniciativa de alguns artistas no mesmo espaço no qual a Coletiva de Abril agora se concretiza.

As considerações acima não apontam, porém, para uma mostra sem amálgama. Ao contrário a Coletiva de Abril funciona e os trabalhos expostos afinal se relacionam, ainda que seus tênues nexos não resultem de conceitos verbais, mas da experiência visual que sua reunião, na mostra, proporciona. Algumas recorrências formam uma rede provisória que entrecruza os trabalhos mostrados.

Embora não sejam semelhantes, os trabalhos de Isabela Lira (Hairecane recria o vórtice de um furacão com cabelos sintéticos) e Márcia Clayton (Pequenos Dicionários Femininos, formado por caixas com lâminas de exames preventivos na quais estão impressas palavras referentes à condição da mulher) podem ser remetidos ao vasto campo das poéticas de gênero: o universo feminino, sua rotina diária, tanto doméstica, quanto familiar, conjugal, profissional e sexual é poeticamente elaborado nos trabalhos dessas duas artistas. Podemos remeter também a esse universo o desenho da série Bonecas de Denise Araripe, emblema mórbido do sexo frágil e, de modo mais sutil, a grande pintura sanguíneo-carnal vermelha sobre papel de Lúcia Weber.

Já os trabalhos de Analu Nabuco (que comparece com trabalhos da série Recodificando um Tempo, integrada por livros feitos em madeira de aspecto envelhecido); Cláudia Melli (que nos traz um grande caixa, com duas faces de vidro jateado, transversal à parede, que contém dois momentos da sombra de um corpo humano feitos a nanquim) e Maria Helena Lira ( com sua Poética do Sal, nos quais máscaras de rostos submergem em grossas camadas de sal que ao longo da exposição irão se solidificar) tratam de outra questão importante para a produção contemporânea: tempo e memória.

As fotografias de Ira Etz e as Cidades desenhadas por Roselane Pessoa atualizam o velho campo da arte da paisagem. Se Etz (ao capturar reflexos de fragmentos de paisagens reais em pequenos espelhos redondos, inscritos em muros ou paredes) recoloca a ilusão no centro de nossa apreensão da imagem; Roselane mostra-nos um conjunto de quarenta desenhos concebidos como planos de cidades, paisagens aéreas vistas em planta.

Desvio, trabalho de Laura Burnier (que recria em ferro uma escada móvel, suspensa do piso por uma plataforma e apoiada na parede) situa-se na confluência da escultura e do desenho, entre o espaço real e os contornos gráficos da peça.

Finalmente, Maria do Carmo Secco, apresenta-nos algumas pinturas recentes que podem dialogar com o Desvio de Burnier. Aparentemente abstratas essas pinturas apresentam-nos planos de cor que se entrecruzam com o plano branco da tela e confinam com o espaço real, impregnando-o para além da configuração formal dos quadros.

Fernando Cocchiarale

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